Por Ana Maria Louzada
A proposta de organização do trabalho pedagógico por meio de projetos de estudos (pedagogia de projetos) tem como premissa básica a formação de sujeitos com consciência crítica.[1]
Para tanto, necessário se faz romper com as práticas pedagógicas que insistem em considerar o estudante um ser inacabado, ou então, um ser que se basta no processo de aprendizagem e desenvolvimento.
E ainda, não dá para continuar com práticas em que os estudantes são vistos como meros executores.
Necessário se faz redimensionar as propostas educacionais visando a formação de sujeitos com consciência crítica.
É com base nestas questões que delineamos as reflexões de hoje.
Pois bem, a pedagogia de projetos propõe um plano de trabalho revolucionário, porque além de ser uma ação didática pedagógica também é uma ação político pedagógica, e, como tal precisa ser planejado, sonhado, registrado e sistematizado de forma compartilhada.
Levar em conta as referidas dimensões (didática pedagógica e político pedagógica), significa considerar as reais necessidades dos estudantes, uma vez que os estudos a serem realizados precisam se ancorar em motivos reais, objetivos reais e interlocutores reais.
Os estudantes precisam ver sentido no que estão aprendendo no lócus da escola.
Isso significa que o projeto deve ser detalhado com vistas à garantia da produção, apropriação e objetivação dos conhecimentos num processo de interlocução entre os estudantes e os conhecimentos científicos, e, destes com os conhecimentos cotidianos.
Os conhecimentos cotidianos são produzidos e apropriados no cotidiano das práticas sociais e culturais informalmente.
Os conhecimentos científicos são produzidos, apropriados e objetivados de forma sistematizada no lócus da instituição de educação escolar: ciência, história, geografia, matemática, língua portuguesa, língua estrangeira, arte, educação física, filosofia, etc.
No que se refere ao aspecto didático pedagógico, é importante enfatizar que a participação ativa (interativa) dos estudantes precisa acontecer nos diferentes tempos espaços de organização das sequências didáticas (SD) com significativas situações de ensino aprendizagem (SEA).
Sequência didática é o detalhamento do projeto numa sequência didática pedagógica.
Situações de ensino e de aprendizagem constituem o passo a passo da sequência didática.
As situações de ensino e de aprendizagem precisam ser bem planejadas de modo que possa promover valiosas trocas de experiências, discussões, reflexões e interação dos estudantes com os conhecimentos a serem apropriados.
Em relação aos princípios políticos pedagógicos cujo foco é a aprendizagem compartilhada e a formação de sujeitos com consciência crítica, os estudantes devem se inserir no projeto enquanto sujeito de direito - com direito a vez e voz, de forma que as práticas sociais e culturais (conhecimento cotidiano) sejam ponto de partida e de chegada no processo de aprendizagem e desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Funções psicológicas superiores são as funções intelectuais - consciência humana.
Fato é que a organização do trabalho pedagógico por meio de projetos permite um processo de ensino aprendizagem dialógico, onde os estudantes podem questionar, trocar ideias e emitir opiniões.
É nesse sentido que a consciência se forma, num processo de interação entre o “eu e o outro” no cotidiano das práticas sociais e culturais.
Conforme nos fala Bakthin (1992b),
(...) tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vêm-me do mundo exterior, da boca do outro, e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo (...). Assim como o corpo se forma originalmente dentro do seio (do corpo) materno, a consciência do homem desperta envolta na consciência do outro (p. 378). [2]
O sujeito se forma no processo de interlocução com o outro. E é nesse processo que ocorre a apropriação e a objetivação dos diferentes conhecimentos.
Daí a importância de o processo educativo de cunho didático pedagógico, aquele que acontece no contexto da escola onde o seu caráter é eminentemente científico, ser mediado com criticidade.
Isso porque a formação da individualidade não se realiza de forma consciente em seu processo inicial. No primeiro momento, os conhecimentos cotidianos (produzidos, apropriados e objetivados no cotidiano das práticas sociais e culturais informais), não garantem o desenvolvimento intelectual crítico.
Por isso, quando destacamos a importância da formação da consciência crítica, estamos defendendo uma educação que leva em consideração as interações sociais e culturais realizadas nas diferentes esferas de interação social e cultural cotidiana (na família, na comunidade, etc.) como ponto de partida e de chegada.
Ponto de partida, porque se faz necessário considerar as experiências vividas e as reais necessidades de aprendizagens, e, ponto de chegada, porque no lócus da educação escolar onde acontece a apropriação dos conhecimentos científicos, o sujeito de posse dos mesmos pode retornar para as suas práticas sociais e culturais cotidianas imbuídos de novos saberes.
No entanto, não basta aprender novos conhecimentos e aprimorar os já apropriados, é fundamental que os conhecimentos científicos sejam dinamizados, problematizados e ensinados de forma a desenvolver a consciência crítica. E só se desenvolve uma consciência crítica quando os saberes cotidianos dialogam com os científicos por meio de uma mediação pedagógica instigadora, problematizadora e desafiadora.
Para tanto se faz necessário uma educação comprometida com a formação de sujeitos que se relacionam criticamente com os espaços tempos em que vivem. Sujeitos que saibam ler nas entrelinhas as artimanhas da ideologia que permeia o cotidiano. Criticidade em relação ao consumismo exacerbado, à naturalização da fome do outro, à desconsideração do outro como sujeito de direitos, etc.
É fundamental superar as práticas sociais e culturais alienadas, pois desta forma o sujeito, além de ser presa fácil no mundo em que vivemos, também não consegue ter uma relação consciente consigo mesmo - com a sua individualidade.
Quando o estudante vivencia um processo de ensino aprendizagem que leva em consideração uma relação consciente (crítica) com a realidade vivida, ele supera o conhecimento cotidiano ingênuo (alienado).
O sujeito alienado não conduz a sua vida cotidiana, mas é por ela conduzido. Ele entende como natural a hierarquia espontânea das atividades cotidianas que encontra pronta em seu meio social imediato. Hierarquia determinada pelas relações sociais e econômicas.
Atenção! O processo educativo não pode ser visto apenas como um processo que coloca o sujeito em contato com os conhecimentos científicos, mas também, como um processo que torna a aprendizagem crítica uma necessidade para seu o desenvolvimento pleno.
É importante lembrar que não se promove a formação de sujeito com consciência crítica, quando planejamos atividades desvinculadas da realidade cotidiana da comunidade escolar, e, ainda quando o planejamento visa apenas a execução das mesmas pelos estudantes.
Não dá para organizar o projeto de estudo com sequências didáticas sem contextualizar os conhecimentos necessários para a emancipação do sujeito e da sua comunidade.
Enfim, a organização do trabalho pedagógico por meio de projetos de estudos, é fundamental para a inserção dos estudantes enquanto protagonistas do processo de ensino aprendizagem. É nesse processo que se qualifica a aprendizagem e o desenvolvimento da consciência crítica.
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[1] Post com base no artigo Projetos de Estudos: Implicações no Processo de Constituição da Consciência Crítica, publicado no cantinhosdeestudos.blogspot.com
[2] BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1992.
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